Qua, 30 Abril 2025

PUB

PUB

PUB

PUB

PUB

PUB

PUB

Siga o nosso canal de WhatsApp e fique a par das principais notícias.

Violência doméstica (Maria da Penha, II)

vitor catulo new

Vítor Hugo Catulo

“Quantas mulheres mais terão de morrer enquanto os processos jazem adormecidos nos tribunais? Quantas vezes mais teremos de ouvir e ler na imprensa que ‘a vítima já tinha participado os maus tratos à polícia’ ou que ‘a situação estava há muito sinalizada pelas autoridades’? Quanto sangue mais terá de ser derramado até que um partido do arco de sustentação do governo dê o primeiro passo?”, escrevia eu neste jornal numa crónica de junho de 2016, com o título “Maria da Penha” sobre a inexistência de mecanismos legais no nosso país que permitissem remover de imediato o agressor do contacto com a vítima como medida cautelar. 

Exceptuando alguns encontros e seminários com técnicos e especialistas na matéria a exporem eloquentemente as suas opiniões em discussões académicas e os recorrentes inquéritos parlamentares – flamejantes, vibrantes, hipnotizantes – mas inconclusivos, e gastos de milhões em publicidade nas televisões e rádios nada se fez objectivamente nos últimos anos, em sede de processo penal, para travar o flagelo que é a violência – psíquica e física – contra mulheres, crianças e idosos no contexto familiar.

E se tal omissão continua a induzir (leia-se encorajar) o arguido à repetição dos actos, que se desejaria que não reincidisse até à decisão final e passa muitas vezes pela morte da vítima, o que dizer da brandura dos tribunais na análise, interpretação e decisão da matéria em julgamento?

E como classificar o Ministério Público – cujos representantes nos tribunais deveriam ser eleitos por sufrágio popular – quando há procuradores como o que desesqueletizou um inquérito no contexto de violência doméstica, não obstante alerta amarelo da Polícia, de tal maneira que o baixou para “ofensa à integridade física simples” e, em consequência, “carecendo de queixa da qual a assistente desistiu” etc. etc. no entendimento do insigne pensador, e redundou na morte do arguido e dois seres inocentes?

Ou quando um intocável e senhorial juiz entende que “mulher autónoma” não pode jamais, em sua douta argumentação, ser vítima de violência por seu excelso e santo marido e vai por isso absolvido? Valha-nos Deus!

Os números que se seguem são assustadores, as mulheres e mães portuguesas que nos deram o ser, que cuidam de nós, que nos tratam bem não obstante imensas vicissitudes, e são responsáveis pela gestão e equilíbrio emocional da testosterona masculina nacional, não merecem isto:

– Segundo um relatório divulgado em 8 de Março de 2018, no período de cinco anos – de 2012 a 2016 – cerca de 78% dos 45 000 inquéritos de violência doméstica comunicados à Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna acabaram arquivados por “falta de provas”.

– No mesmo período, dos restantes inquéritos, ou seja 22%, que chegaram a julgamento, apenas 58% resultaram em condenação, mas a penas leves, sendo que destas 90% foram suspensas. Ou seja: apenas 10% de penas efetivas aplicadas!

Tem de se desmistificar a ideia, errada ou escamoteada, que é propalada sem qualquer controle por alguns OCS, nomeadamente a CMTV – Correio da Manhã Televisão – que tem por lá um batuque de comentadores que arrebenta com os tímpanos de qualquer cristão que, por tanta asneira dita, se lhe esgota a infinita paciência.

Meias tigelas de inteligência, cabecinhas de paquiderme, que entre outras barbaridades dizem que a pena suspensa é uma condenação!

Na verdade, a suspensão da pena, às vezes condicionada ao cumprimento de determinadas obrigações, é uma espécie de “cartão amarelo” sobre o comportamento futuro do “condenado”, na prática muito vago e diluído, e muito difícil de se controlar. Quase sempre a suspensão da pena é uma absolvição a prazo.

É intrincado, volúvel e vago, o processo do controle de eventual reincidência do “condenado” e este acaba, quase sempre, por não “sentir” o peso da Lei.

Apenas 10% acabaram em penas efetivas. Uma Justiça macha, convenhamos!

– No ano de 2018 registaram-se 24 mortes de mulheres em contexto doméstico, mais 6 do que em 2017.

– Incluindo o homicídio perpetrado há poucas horas em Vieira do Minho, são já 12 (doze) as mulheres assassinadas este ano, metade de todo o ano passado. Devíamos ter vergonha.

É uma hecatombe a que é preciso pôr-se termo, e já!

Não quero Portugal a ser conhecido lá fora como o país em que se maltratam as mulheres e onde os juízes citam textos bíblicos, difamam a vítima e absolvem os criminosos.

São precisas urgentemente leis proativas e de proteção a potenciais vítimas, bem como a implementação imediata de acções de formação técnica e de sensibilização cívica de magistrados judiciais e do Ministério Público.

Todos somos pessoas e os portugueses na sua grande maioria abraçam, defendem e levam pr’á frente espontaneamente, como que movidos por uma mola coletiva invisível, causas justas da forma melhor que o sabem fazer – com resiliência e um fino humor sibilino – único no mundo – capaz de derrubar deuses, quando é preciso, dos seus pedestais. Mesmo quando os deuses usam toga.

Decidiu bem o Juiz Presidente da Relação do Porto: o puritano do seu colega irá estar melhor, e mais protegido da “ira popular”, no Cível.

A sociedade civil deu recentemente, uma vez mais, prova da sua existência e do peso que tem: alevanta-se como um tsunami a opinião pública, silenciosa e arrasadora, quando algo não está bem e lhe cheira mal.

Mais de 50% dos portugueses, diz um relatório europeu conhecido há dias, não distingue as notícias falsas das verdadeiras. Pode ser verdade, mas o português médio e as mulheres portuguesas em geral sabem distinguir, por instinto, o que lhes faz bem e o que está mal.

Respirar o mesmo ar e batermos os corações ao mesmo ritmo é que o correto: faz-nos fortes e unidos.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Notícias Relacionadas

PUB

PUB

PUB

PUB

PUB

PUB

PUB