O anúncio ao final da tarde de ontem feito pelo PCP dizendo que não inviabilizará um governo de iniciativa socialista marcou a agenda política e o dia 6 de Novembro poderá ficar registado como um dia histórico em Portugal.
Sem abdicar da ideologia que o enforma e da doutrina que o orienta, o PCP continua igual a si próprio, vertical e coriáceo, mas adequa-se à conjuntura política atual e dá um sinal claro a muitos portugueses de que quer ser um dos veículos de mudança num país que, nos últimos anos, tem estado a saque entregue às mãos de um clube de banqueiros e empresários ambiciosos travestidos de políticos de boas maneiras e brandas falas.
“Com papas e bolos se enganam os tolos”, assim parecia muita gente andar adormecida até 4 de Outubro, dia em que 2 744 557 eleitores, a que correspondem 50,75 % dos votos validamente expressos disseram “basta!” e escolheram o PS, a coligação CDU e o BE como alternativa política e um comboio de esperança que os leve para um futuro melhor.
E desde esse dia, que ficará na História como o “black sunday” da direita portuguesa, nada foi como dantes: Pedro Passos Coelho estremeceu, Paulo Portas estrebuchou, o PR balbuciou e estranhas reuniões inter-partidárias começaram a acontecer à esquerda. Estão a dar frutos – e eles sabem – estas reuniões levadas a cabo por iniciativa do líder do PS e cujos contornos e detalhes se conhecerão na próxima segunda feira.
Um cenário inimaginável quando se pensava que os resultados eleitorais de 4 de Outubro que deram a vitória à coligação PàF, mesmo reduzindo a maioria absoluta que detinha para uma maioria relativa, fossem “favas contadas”.
De tal forma a preocupação se instalou no cenho dos atuais detentores do poder que a dirigente bloquista, Catarina Martins, viria a exclamar em 16 de Outubro: “ver o medo mudar de lugar é muito bom”. Uma das frases mais emblemáticas, e deliciosamente provocatórias, que ouvi nestas últimas quatro semanas entre muitas atoardas, de puro fel, contra portugueses legítimos da “contracorrente” que cânones de boa educação e sã consciência me impedem de transcrever.
Um período único, que nos ficará na memória, durante o qual muitos de nós parecemos ter despertado do torpor em que nos encontrávamos e voltamos a falar, e discutir, política com a mesma paixão como a que marcou a campanha para as presidenciais que opôs Mário Soares e Freitas do Amaral em 1986 e que pôs o País “partido” ao meio!
Demarcando-se de dossiês “pesados” como o acordo da NATO, do qual Portugal faz parte por tradição histórica, e dos compromissos com a Troika, assumidos por necessidade, que se lhes ajustam tal como uma cama de pregos às costas de um qualquer comum lusitano, o partido dirigido por esse ex-operário metalúrgico, português dos rijos e de uma só palavra, que é Jerónimo de Sousa, assume não querer tomar o poder, mas afiança que não hostilizará o Partido Socialista de António Costa se eventualmente este for chamado a formar governo.
Há, no mínimo, que conceder o benefício da dúvida ao honrado cidadão e aguardar pelos resultados que um “governo de esquerda” possa trazer de bom para Portugal, para os portugueses em geral e para os quase três milhões de eleitores que não se reveem nas políticas de direita seguidas até aqui.
Como António Costa – que poderá ficar na História da nossa Democracia pelos melhores ou piores motivos – disse, também ontem à noite, em entrevista à SIC: “estamos num momento de mudança de paradigma do nosso sistema partidário”.
O Parlamento – sede onde se assenta a Democracia – teve a última palavra e reuniu consensos para apresentar ao mais alto magistrado da Nação uma solução de governo estável e duradouro.
Caber-lhe-á agora a dolorosa missão de proferir a suprema palavra.