Qui, 12 Dezembro 2024

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Um crime, um castigo

vitor catulo

Vítor Catulo

Vejo com regularidade a RTP 2. Este segundo canal da Televisão pública é uma alternativa à sua mana mais velha, manhosa e gastadora como tudo, e às outras, as privadas.

Transformadas em autênticas feiras e montras de inutilidades, nas quais impera a lei do vale tudo e onde tudo se vende ao preço das chamadas “chamadas de valor acrescentado”, tão ao gosto do freguês e que dão milhões a ganhar às operadoras, essas primadonas não me merecem muita atenção e passam-me ao lado.

Com um certo cunho de controvérsia de sempre – quem não se lembra da famosa, e picaresca, polémica nacional gerada à volta do filme “O Império dos Sentidos”? – a 2 vai continuando a passar, uma vez por outra, películas arrojadas que deveriam rasgar lá mais para as horas de libidinosas madrugadas.

Perdoe-se-lhe, porém, a contumácia porque por lá passam também séries de grande qualidade como a que ostenta o título que aproveitei para intitular a crónica de hoje. 

“Um Crime um Castigo” retrata o dia a dia de uma brigada da Police Judiciaire francesa chefiada por uma capitão abnegada e determinada que, com a ajuda dos seus homens de confiança, dá tudo de si, e muito mais que a lei permite, para tentar resolver os crimes mais intrincados e escabrosos que caracterizam a sociedade doente e esvaziada de valores que é hoje a capital francesa e muitas outras cidades europeias. Não faltam na série ingredientes como a ação, o suspense, a paixão e a intriga e o sangue.

Ao longo da narrativa ganham vulto personagens como a do juiz escrupuloso e sério que cai em desgraça quando pisa os calos de um poderoso autarca, do procurador charmoso e de talento apanhado numa cilada urdida por “forças ocultas” do seu próprio gabinete e da advogada pertinaz, sensual e ambiciosa, que não olha a meios para atingir os fins.

“Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência”, aparece geralmente esta ressalva na filmografia que se produz. Mas será mesmo assim? Não será o inverso?
A ficção já não é como era antes. Ela é hoje real e as “forças ocultas” existem mesmo, eu o afianço.

De forma subtil, simpática e de gravata, ou vestida de chiffon, a ficção domina hoje corredores e gabinetes e todos os centros de decisão.

Congemina-se e conspira-se. O reino da ficção apoderou-se de nós sem nos apercebermos. Só um sacudidela de costas, vigorosa, nos tiraria do torpor em que mergulhamos, mas é pouco provável que isso aconteça. 

Os partidos que estão no poder, os chamados do “arco da governação”, através de frases simples, meros clichés de aparentes verdades, propaladas vezes sem conta nas televisões e ecoadas através dos telemóveis e redes sociais que usamos, conseguiram o impossível: transformaram a ficção em realidade: até parece que estamos bem.

A cada crime deveria corresponder um castigo. É a ordem natural das coisas, mas parece-me que algo anda mal por este reino: andam criminosos à solta, sabemos quem eles são, mas a amnésia tomou conta de nós.

Até quando?         

 

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