Dom, 20 Abril 2025

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Repartição de Sacrifícios

vitor catulo

VÍTOR CATULO

Quem cumpriu serviço militar conhece bem a lei do desenrascanço. Uma lei nunca escrita mas assumida e exercida ao longo de gerações nos quartéis. “Desapareceu-te a boina?”. Um superior hierárquico que se prezasse de o ser não admitia que o magala queixoso se apresentasse como vítima de um furto que de facto fora. Era voz corrente que “na tropa não há roubos, há desvios”, daí que o conselho disparado à queima roupa ao atadinho fosse invariavelmente: “quero-te com a boina e é já. Desenrasca-te!”.

A mensagem estava implícita, o rapaz tinha que se desenvincilhar desse por onde desse e fazer-se homem. E ele, o mancebo, fazia-se homem! Engrossava-se assim a longa cadeia secular de pequenos delitos nunca punidos que fazem parte do ambiente castrense: uma espécie de pescadinha com o rabo na boca, pois dos compêndios e sebentas militares não consta que o autor do “pecado original” algum dia tivesse sido apanhado e será assim por muitos e muitos anos!

Quando se tratasse de danos no património da “Fazenda Nacional” e não se soubesse quem os provocara, também a solução era simples e eficaz: pagam todos. Recordo-me, a propósito, de um episódio que se passou comigo durante a recruta: uma bela manhã, logo ao toque da alvorada, um espelho do corredor da caserna apareceu feito em fanicos. Apenas a moldura se aproveitava. Vieram o cabo de dia e o sargento de dia que mandou chamar o alferes. “Quem foi? “Ninguém foi e ninguém viu nada nem ninguém ouviu nada!”. E as manobras prosseguiram e, tanto quanto me foi possível perceber, prolongaram-se durante toda a santa manhã: à cena do crime deslocou-se também o sargento da companhia e mais tarde o capitão. Tomaram-se notas, gritaram-se ordens e veio o quarteleiro que recolheu os cacos, tomou as medidas e um novo espelho foi colocado. Assunto resolvido? Claro que não, pois acompanhando o pré seguinte vinha a fatura: o valor do espelho havia sido repartido pelos cerca de 120 recrutas que éramos. A FN estava ressarcida, o culpado absolvido e nós aliviados de uns trocados!

Quando comparo o absurdo deste tipo de soluções, minudências afinal, às situações que hoje se passam, flagrantemente casos de polícia, na chamada sociedade civil em Portugal, de forma cada vez mais frequente, tenho razões para estar preocupado.

Quando constato que assaltantes de bancos, a coberto de leis “queijo suíço”, continuam impunes e fintam as autoridades encarregues de os investigar enquanto “aguardam serenamente que se faça justiça” – uma Justiça que tarda e se tem revelado ineficaz – eu fico indignado.

Mas quando sou chamado, leia-se obrigado, a fazer parte dessa multidão anónima de portugueses a partilhar sacrifícios para pagar a fatura dos prejuízos criminosamente provocados por outros, eu sinto-me em estado de revolta.

Quem me dera voltar para a tropa!

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