Não era sentido de orientação a minha crónica deste mês abordar um tema tão repassado e pueril como o amor de mãe. Na verdade, ao primeiro domingo do mês de Maio, desde que se convencionou dedicar esse dia do calendário a essas maravilhosas criaturas que são as mães, multiplicam-se nos jornais e na internet as mensagens de gratidão ou saudade de filhos reconhecidos e as redes sociais, nomeadamente o Facebook do qual sou usuário recorrente, embelezam-se com variadíssimos e lindos postais bastas vezes acompanhados de dedicatórias e compromissos de amor filial. Entretanto, as rádios e as televisões dedicam-lhes uma boa parte da sua programação e não faria sentido, pensava eu, dizer hoje mais sobre o que já fora foi profusamente dito.
Aproximando-se a altura de ir dedilhando as teclas que comporão a crónica a opinar sobre o que sinto ou que penso sobre factos ou acontecimentos de relativa atualidade, componho mentalmente o esboço do que vou abordar até o redesenhar na recta final e enviar o escrito para publicação, o que faço com requintado prazer e assumida responsabilidade.
Depois de um domingo da Mãe, estupendamente bem passado na companhia dos filhos, já criados, educados e largados a rasgar os seus próprios destinos – temos filhos, não os possuímos – na amenidade do parque de merendas da Valada, aqui tão perto, tendo o Tejo por companhia, esse Tejo magnífico e caprichoso de tantas estórias e com História, a ideia desta crónica surgiu-me hoje, segunda feira, enquanto almoçava com a amiga e companheira de sempre, acompanhando as notícias pela televisão. Trata-se do usufruto de um prazer partilhado, do qual nos privamos durante muitos anos quando "pela ordem e pela pátria" pelejei e agora se transformou numa gostosa rotina diária desde que passei a jogar no "clube dos reformados".
Mas como dizia eu, a notícia que acabou por dar o mote para esta crónica passou naquele lote de pequenas boas notícias que a SIC reserva para fechar o seu Jornal da Tarde: "Chama-se Arminda Martins, tem 87 anos, teve 19 gravidezes e 14 filhos…". No desenvolvimento da informação de tão peculiar caso, uma onda de emoções invadiu-nos a ambos e a comoção, talvez por insuspeito reflexo pavloviano, apossou-se de mim por instantes quando a maravilhosa criatura com quem partilho a vida, no final da peça exclamou: "esta senhora merecia um prémio. Merecia ser rainha por um dia que fosse!". E não é que merece mesmo? Aquela simpática velhinha tem uma história de vida, repleta de sacrifícios mas de conquistas também. Campeã de fecundidade, aquela nobre senhora povoou Portugal e não merece reconhecimento do Estado?
Quando há uns tempos atrás o líder da maioria absoluta no poder, num daqueles seus monólogos interessantíssimos à nação, perguntava o que era preciso fazer para que os portugueses tivessem mais filhos não deu nem nada fez para a solução. O insigne economista, tal como em outras tiradas do seu refinado bom gosto, deixou-se ficar pelas intenções de momento. Ao invés de soluções, há atribulações para a maioria dos portugueses que se confrontam com um Governo frio e calculista de máquina registadora na mão. Assim não há quem aguente e a felicidade não existe. Penso que é já tempo de aliviar a carga e humanizar a relação Estado-cidadão através de iniciativas que nos alegrem um pouco e nos façam sentir de novo que somos pessoas.
Não quero que seja uma qualquer cadeia de supermercados ou canal de televisão a chamar a si a iniciativa de organizar um concurso nacional de mães de famílias numerosas, como também não quero que se atribua um prémio pecuniário ou cabaz de compras em jeito de esmola "toma lá e vai-te embora". O prémio para a mãe, para ela, a pessoa e a mulher, seria justamente a de ser rainha por um dia com tudo a que tivesse direito numa grande homenagem nacional.
Vítor Catulo