Hoje é feriado em Moçambique. Consagrado à mulher moçambicana, 7 de Abril é o Dia da Mulher Moçambicana, data que assinala a morte, em 1971, de Josina Machel, guerrilheira da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO).
A data não tem qualquer significado para os portugueses e passa despercebida, obviamente, mas na minha opinião considero-a marcante se a virmos no contexto histórico dos dois países nas últimas décadas.
Na verdade, a efeméride só foi possível passar a assinalar-se naquela nossa antiga colónia, que é nação soberana desde 25 de Junho de 1975 como se sabe, na sequência da Revolução de 25 de Abril. Para além do mais, reflete a importância e o profundo respeito que os moçambicanos sempre tiveram pelas mulheres.
Se não fosse em 25 de Abril de 1974 que se tivesse mudado o rumo da História, noutro dia aconteceria, era apenas uma questão de tempo e a “questão ultramarina” – opinião quase comumente partilhada hoje por historiadores e analistas dos mais variados quadrantes políticos – foi a mola impulsionadora do levantamento militar contra o antigo regime.
Citando documentos da época, a Pátria, una e indivisível, do Minho a Timor, mantinha três frentes de combate ao avanço dos movimentos subversivos, terroristas treinados e armados por potências estrangeiras pertencentes ou sob a esfera do bloco sino-soviético.
Milhares de jovens, durante mais de uma década, foram sucessivamente retirados da segurança e tranquilidade das suas cidades, vilas e aldeias e enviados para os teatros de operações da Guiné, Angola e Moçambique.
Centenas deles foram submetidos ao sacrifício supremo e regaram com sangue a terra que a Pátria dizia ser deles, mas que na verdade não era.
O regime de antanho propalava aos quatro ventos que em todo o território nacional, de Minho a Timor, os portugueses independentemente da raça, etnia ou religião eram iguais perante a lei, mas todos sabiam que não e os soldados, assim que chegavam aos seus destinos a cumprir as suas comissões de serviço, verificavam que a realidade era bem outra.
Recordando uma entrevista dada à SIC há muitos anos por Salgueiro Maia que, nos anos 60 esteve mobilizado em Moçambique, disse a dado momento o Capitão de Abril: “a primeira cena que eu vejo mais ou menos caricata, para mim estou convencido que o nosso (uso)tropicalismo é um facto, verifico que numa paragem de autocarros estão brancos e negros. Chega o autocarro, os negros deixam os brancos todos avançarem e ocuparem os lugares e só depois é que eles entram, uma educação a toda à prova, se não fizessem eram agredidos, naturalmente”.
Se a essa discriminação assim como a muitas outras, algumas das quais também presenciei, tal como milhares de ex-camaradas meus, que eram aceites e toleradas como sendo a ordem natural das coisas e que o mundo tivesse que ser mesmo assim, juntarmos a “lei do passe”- viria a ser extinto durante a vigência da “primavera marcelista” – ou a obrigação de os estabelecimentos de ensino secundário enviarem as fichas dos alunos não brancos à PIDE “para os devidos efeitos” e a “bem da nação”, não é difícil de adivinhar a natureza de sentimentos que invadiam o espírito da população negra, maioritária.
Josina Machel, tal como milhares de homens e mulheres, não se resignou com este estado de coisas, indignou-se, encheu-se de coragem – que é o que faltou a muita gente – deu o salto para o lado de lá da barricada e lutou. Vítima de doença, não chegou porém a ver concretizado o seu sonho e o produto do seu sacrifício: a Independência. Tinha apenas 25 anos quando morreu!
Dentro de dias, celebram-se os 40 anos da Revolução. Um pouco por toda a parte já se promovem iniciativas em conformidade e, no dia aprazado, realizar-se-ão as cerimónias oficiais e seguir-se-ão os discursos institucionais.
Mas este ano gostaria que não fosse mais uma data no calendário e, outrossim, que a mesma fosse assinalada com um ato simbólico na Assembleia da República que ficasse na História assinalando o apaziguamento da sociedade portuguesa e a nossa democracia baseada na tolerância, no pluripartidarismo e no sistema parlamentar.
Acontece que, no dia 19 de Maio completam-se 60 anos que Catarina Eufémia foi morta em circunstâncias sobejamente conhecidas de todos nós. Transformou-se desde então símbolo detido pelo Partido Comunista quando na verdade Catarina era assalariada agrícola sem militância. Lutava apenas por aquilo que achava ser justo, uma mulher de Abril, tal como tantas e tantas mulheres que dão vida, cor e alento ao nosso país.
Somos um só Povo e uma só Nação e há símbolos, que pela sua força e significado, nos inspiram e ganham dignidade nacional.
Josina, a moçambicana – política e guerrilheira – morreu enquanto lutava pela sua terra e inspirou o Dia da Mulher Moçambicana.
Catarina, a portuguesa – apolítica e ceifeira – morreu quando lutava por pão.
Haverão algumas razões que impeçam pois a consagração, em 25 de Abril, do dia 19 de Maio como o Dia da Mulher Portuguesa?
Vítor Catulo