Hoje é dia de aniversário da Rádio Televisão de Portugal. Faz 61 anos a velha senhora: a nossa RTP.
Quem como eu, se divertia com os bonecos do Rato Félix e do Zé Colmeia, se espantava com séries de ficção como o submarino “Singray” e mais a sua intrépida tripulação velando pela segurança dos mares e das nações contra toda a espécie de terríveis inimigos, ou se encantava com as histórias, sempre com finais felizes, do simpático cavalo falante “Mr. Ed” ou do misterioso “Homem Invisível”, não pode deixar de sentir alguma nostalgia, de sabor agridoce, ao recordar aqueles velhos tempos da televisão a preto e branco que marcou as infâncias de muitos de nós, hoje sessentões de carreira. E muitos mais programas e séries poderia aqui enumerar mas não é tal a intenção do escriba nem os propósitos desta crónica.
A inauguração da televisão em Portugal, com transmissões regulares para o país, em 7 de março de 1957 (e não mais tarde pois que já bem tardava em relação aos demais países da Europa), deve-se em muito ao Professor Marcelo Caetano, na altura presidente da Câmara Corporativa (para quem desconheça aqui fica o esclarecimento: tratava-se de um órgão sectorial, de natureza consultiva, do auto-proclamado Estado Novo) e ministro da Presidência do Conselho de Ministros visto que conseguiu convencer António de Oliveira Salazar mostrando-lhe os benefícios e as vantagens que a imagem aliada ao som, que era já transmitido pela rádio desde 1935, poderia trazer para a propaganda do regime. Embora brilhante a fazer contas e orçamentos, e fosse de fino trato, Salazar tinha aqueles tiques de autoritarismo e acessos de cólera, de quase loucura às vezes, que caracterizam os ditadores e nem queria ouvir falar de tal coisa!
Curiosamente, após dar luz verde para o projeto avançar incompatibilizou-se com Marcelo Caetano e demitiu-o do cargo de ministro no ano seguinte. O antigo número dois do ditador só voltaria à cena política ativa dez anos depois, em 1968, após o famoso episódio da queda da cadeira, em 3 de agosto, no terraço do forte de Santo António no Estoril.
A RTP tudo transmitiu, com os devidos filtros da censura e do lápis azul, pois que os ditames da santa trilogia de “deus, pátria e família” assim o impunham, até ao eclodir da Revolução de 25 de Abril de 1974. Nessa madrugada histórica os estúdios foram ocupados pelas tropas revolucionárias e leram-se os primeiros comunicados, com uma “linguagem e palavras estranhas”, a milhões de portugueses atónitos que não estavam habituados a tais “modernices”, do Movimento das Forças Armadas.
Seguiram-se anos de um descalabro quase total em que “fazer televisão era fazer política”. Política de Esquerda, sublinhe-se – daquela pura e dura, brutal às vezes! – reflexo de uma nação quase inteira em delírio libertário durante o qual a televisão foi tomada de assalto por forças revoltosas afetas ao Partido Comunista que queriam transformar o País numa “Cuba castrista europeia e de raiz proletária”.
Não fosse a oposição, corajosa, esclarecida e eloquente, do Dr. Mário Soares e de um punhado de bravos que se ergueram no momento certo, e a História de Portugal nos anos que se seguiram escrever-se-ia a vermelho e estaríamos hoje a debatermo-nos com problemas maiores do que temos.
A RTP tem um acervo histórico inestimável, talvez um dos mais ricos da Europa, e está disponível na internet a qualquer cidadão em arquivos.rtp.pt.
Mas não é só de cravos e de rosas que se fez, e se faz, a história da televisão em Portugal. Existe o reverso da medalha: como qualquer serviço público a RTP, é paga pelos contribuintes e durante muitos anos foi um sorvedouro de dinheiros públicos.
Sem terem concorrência, passaram administradores e diretores de programas, lunáticos e oportunistas, mas principescamente pagos, que desbarataram fundos públicos sem qualquer pudor e nos deram a nós, espetadores e contribuintes de sempre, durante vários anos, uma programação pobre e de pouca qualidade e que estava muito aquém dos dinheiros cobrados.
Felizmente, após anos e anos de luta, surgiram as televisões privadas e os barões (e baronesas da televisão estatal) viram-se obrigados a reformular o figurino.
De há uns anos para cá, a RTP está melhor do que estava: para além dos vários canais à disposição, com uma programação vibrante e variada visando diversos públicos, e das plataformas informáticas que criou, a atual administração parece ter conseguido finalmente “arrumar a casa” e abrir as portas do futuro para tudo o mais que virá!
Reconheça-se um certo esforço feito no sentido de inverter aquela tendência de gastadora compulsiva, com o dinheiro dos outros, que a “velha senhora” tinha desde que conheceu o perfume da Liberdade.
Há, porém, mais uma batalha a vencer: a concorrência desleal que a RTP faz às televisões privadas no mercado da publicidade tem de acabar!
O recurso à publicidade constitui um fator de sustentabilidade das televisões privadas e é razoável que eu tenha que suportar uma catrefada de anúncios antes e enquanto vejo o meu programa predileto.
Acho inadmissível, porém, e não quero continuar a ter de “levar” com publicidade não encomendada na televisão pública, da qual sou consumidor diário, quase compulsivo, e para cuja existência e sustentabilidade contribuo com uma parte dos meus impostos e taxas.
Não me repugna se “carregarem” um pouco mais nas taxas e taxinhas que me cobram, desde que a ausência de publicidade comercial em todos os canais da RTP seja uma realidade.
À administração da RTP e a todos quantos nela trabalham, desejo um excelente dia.