Segundo o PÚBLICO, Luís Filipe Menezes "reuniu-se na Câmara de Gaia com moradores com dificuldades económicas que residem em bairros da cidade do Porto onde se candidata e tem pago algumas facturas".
Isto só por si espelha bem o que nos espera, em próximos actos eleitorais, com a interpretação territorial da limitação dos mandatos autárquicos. Porque não se trata apenas de transformar os presidentes de câmara em autênticos pistoleiros profissionais que passarão a deambular pelo país à cata de quem os contrate para defender a sua cidade dos bandidos, o que só por si já seria mau, uma vez que distorce absolutamente o princípio fundador do poder local. O que se avizinha é muito pior do que isto.
Com efeito, ao permitir que os presidentes de câmara se candidatem a outro município, findos os três mandatos, tal vai conduzir inevitavelmente (só quem não conhecer os nossos políticos, pode acreditar o contrário) que o último mandato vai passar a ser usado como trampolim para uma candidatura a um município vizinho, à custa de recursos da autarquia para o qual foi eleito. Ou seja, o presidente eleito para um terceiro mandato passa a ter a cabeça num município e os pés no outro.
Só um povo muito corrupto seria capaz de validar uma interpretação da lei que promove descaradamente o adultério político. No terceiro mandato, ainda estão frescas as declarações de amor eterno à sua terrinha proferidas no altar eleitoral e os presidentes eleitos já estão a pôr os palitos à sua terrinha e a querer saltar para cima da terrinha do vizinho. Para já não falar, naqueles que continuarão a exercer o poder de facto no seu município, enquanto um palhaço por si escolhido finge, durante quatro anos, que é o presidente de câmara.
Ora, isto não é bom para a qualidade da nossa democracia.
Além disso, nas democracias, como todos sabemos, os melhores mandatos são sempre aqueles em que um presidente sabe que já não pode ser reeleito, na medida em que o seu mandato já não é condicionado pelos votos. Acontece que, com a possibilidade de reeleição num município vizinho ou a continuidade no seu município por interposta pessoa, até esse efeito se perde.
Não devia ser, por isso, também permitido que os autarcas inibidos de se recandidatar pudessem integrar as listas para não se assistir a esta autêntica palhaçada à boa maneira portuguesa de as listas serem elaboradas pelos presidentes de câmara cessantes que escolhem um testa de ferro para encabeçar a lista mas, na prática, serão eles que irão continuar a exercer o poder de facto.
Em Portugal, como toda a gente sabe, basta abrir uma pequena fresta na lei que passa por lá tudo. E das duas uma: ou querem limitar os mandatos ou não querem. Se não querem, acabem com a lei mas não gozem mais connosco. Nunca se esqueçam de um sábio pensamento de Confúcio: "Nunca irritem um homem paciente." E o povo português, apesar de ser muito paciente, começa a dar sinais de alguma irritação…
Santana-Maia Leonardo
Advogado