Em síntese, o Estado de Direito é aquele em que o poder exercido é limitado pela Ordem Jurídica vigente, democraticamente estabelecida. Quer dizer: tanto o Estado quanto os seus cidadãos e as instituições estão submetidos ao Direito.
Nem o Estado poderá impor a sua vontade que não estiver prevista e regulada em lei, nem poderá actuar contra as leis existentes. Dessa forma, o Estado deverá acatar a fazer acatar as leis.
A ordem jurídica vigente é a mesma e aplica-se a todos, igualmente.
Preocupado, tenho ouvido e lido todos os dias ataques cerrados ao que muitos descrevem como “refúgio em formalismos”, “burocracia”, “blindagem”, “refúgio estatutário”, “legalismo” e a afirmação de que quem manda é o povo, os militantes, as bases… ou aquilo que, noutro contexto, ouvimos e lemos de muitos outros; que o TC quer mandar no país, que quem governa é o governo, que estamos em crise e que isso justifica “passar ao lado” do espírito legalista, fundamentalista, de “funcionalismo público” … para “equilibrar” o país.
Trata-se da mesma atitude, da mesma ordem de motivos, do mesmo espírito que em suma e traduzindo afirma que o Estado de direito é uma “chatice”, um “bloqueio”, uma mera “formalidade” que se constitui como “obstáculo” a remover – e que o “povo” num caso ou o governo no outro é que “mandam”.
Sim, para ser claro: falo nos ataques do governo à ordem constitucional e ao Tribunal de Contas e nos ataques aos Estatutos e ao Conselho de Jurisdição do PS. Para dizer que é exactamente a mesma coisa: o ataque à “ordem jurídica vigente” e aos órgãos a quem compete protegê-la. Em ambos os casos: atentados ao “Estado de Direito”.
E um argumento: a “ordem jurídica vigente” não corresponde à necessidade actual do país (ou do partido), que temos que ser mais expeditos, mais rápidos, mais “livres” – “aquilo” manieta-nos, não nos deixa fazer o que “é preciso”.
Trata-se da contestação clara à legitimidade democrática e institucional em nome de uma legitimidade revolucionária que “os militantes”, “o povo” ou “o país” reclamam.
E é preciso lembrar que todos os projectos autoritários, todos os golpes de Estado fazem exactamente a mesmíssima coisa: logo que podem suspendem ou suprimem as “formalidades” e instalam um estado de excepção que os desobriga de cumprir a ordem jurídica vigente e permite governar sem os seus limites.
Vivemos numa Democracia. Queremos um Estado de Direito. Como dizia Churchil, tenham as insuficiências, as limitações, os vícios que tiverem, ainda não descobrimos melhor.
Temos que compreender que os “formalismos” e o respeito que todos devemos a esses “formalismos” é aquilo em que assentam as nossas democracias.
Temos que compreender que a Constituição e as Leis e os Estatutos e os Regulamentos são “formalismos” essenciais para a vida do nosso país, das nossas comunidades, instituições, empresas, organizações …
Apoie-se quem se quer. Vote-se em quem se escolhe. Defenda-se o projecto político por que faz opção. Mas no respeito pelo património comum que é o sistema da regras, normas, leis que nos define e nos constitui. Ah! E nos separa da barbárie.