“Liberdade” parece ser um daqueles conceitos / ideias sobre o qual parece haver um consenso generalizado: todos gostamos da liberdade, todos queremos ser livres, todos queremos fazer o que temos vontade, ninguém gosta de coacção, de repressão…
Parece …
Na realidade estamos perante uma daquelas ideias em que há consenso se não a interrogarmos, mas soltamos todos os diferendos se lhe fizermos perguntas …
Liberdade articula-se com democracia.
Democracia quer dizer reconhecimento de direitos. Direitos cívicos básicos: direito de pensamento, opinião, expressão, associação… e, desde logo, há quem ache que esses são os direitos que definem liberdade. Mas há quem queira ir mais longe. Que exija também as condições concretas de realização social da liberdade: direito à educação, saúde, protecção social… direitos sociais.Primeira linha de demarcação e primeiro diferendo…
Mas liberdade articula-se com mercado.
Reino da livre iniciativa. Criador de riqueza. Equilibrador e regulador da vida social. Fazedor e organizador das diferenças, dos méritos, do acesso aos bens privados … Mas, dizem outros, promotor da segregação, da exclusão, da exploração, dos privilégios e da pobreza… Segunda linha de demarcação e segundo diferendo.
É nesta dupla articulação da liberdade com democracia e com mercado que se operam todas as demarcações, todas as clivagens ideológicas, se constroem todas as visões do mundo, projectos políticos…
Vivemos hoje um diferendo novo, e vivemo-lo na sua máxima evidência e brutalidade.
O diferendo democracia vs mercado.
O mercado (económico, financeiro, assentou praça no espaço global, numa realidade sem fronteiras, bum mundo unificado.
A democracia permanece amarrada às fronteiras da soberania do Estado Nacional. Conclusão: a liberdade dos mercados sobrepõe-se e esmaga a liberdade da democracia.
Por isso assistimos hoje a uma crise nova: a crise do Estado moderno. Uma crise de medida, de escala, e de incapacidade e incompetência do Estado. O Estado, com um poder/soberania dentro das suas fronteiras nacionais, é incompetente para legislar, fiscalizar, regular a dinâmica pura do mercado.
Finalmente: e liberdade dos mercados sobrepõe-se e remete para o museu da história a liberdade do Estado democrático, do Estado de direito.
E, das duas uma (nova linha de demarcação, novo diferendo criador):
– ou aceitamos o primado do mercado, da economia e das finanças sobre a democracia… e deixamos andar… (“laissezfaire, laisserpasser”…)
– ou queremos o primado da democracia, da vontade política dos povos, das nações, dos homens … e assumimos a única utopia que vale a pena no e para o nosso tempo: a construção de um poder mundial, de uma soberania democrática mundial capaz de ter legitimidade e poder para legislar, regular, fiscalizar, punir… o mercado mundial.
Digo isto com o devido cepticismo. Este parece ser o tempo da re-emergência dos nacionalismos… Mas espero que não.