A Presidência da República acabou de descobrir um erro. Digo mais: o erro!
Passados vários anos (oito anos, oito) da aprovação da lei, os serviços da presidência, diligentes, zelosos, minuciosos, descobriram o erro que salva! E, claro, alertaram de imediato a Assembleia da República.
A isto se chama cooperação institucional. Da boa.
Podem, devem, agora os partidos corrigir o erro. Como na lei está escrito “de”, é suposto que este “de” está errado. Que o que lá devia estar escrito era o “da” (no Diário da República – Lei 46/2005 de 29 de agosto – está escrito "presidente de câmara".
Claro: vai haver divisões, fracturas, divergências. Os adeptos do “de” de um lado. Os adeptos do “da” do outro. Um novíssimo cisma democrático.
M & S (Menezes e Searas) “et al” lideram a barricada do “da”, que os esperam possíveis troféus em Porto e Lisboa. A maioria PSD / CDS acorre, que eles são da tribo. O PCP, pelo que já disse no Parlamento, e porque tem diversos “das”, dará voto discreto.
O PS, seja lá como for, já se comprometeu: não candidata “das”, pois considera que se tratava de “des”. Acho bem (independentemente do que penso da lei).
No fim, graças a esta descoberta providencial de Cavaco Silva e à maioria parlamentar, teremos a reposição da “verdade” da lei, a letra da lei reconduzida à sua verdade “originária”, ao “verdadeiro espírito” do legislador. Vence a democracia!
Esquecem-se, nesta cruzada de reposição da honra perdida do “da”, do mais importante. Do que me disseram, a mim, aos autarcas, aos cidadãos. Que iam limitar os mandatos. Para renovar protagonistas e projectos. Para permitir ar fresco no poder local. Nem era melhor ou pior: era apenas fresco. Esqueceram? Não. No jogo de xadrez que jogam, simplesmente estamos de fora.
Também nunca cheguei a perceber as boas razões desta limitação da limitação aos autarcas e à administração local. Um dia, numa reunião do PS para debater o tema, perguntei por isso, pelas razões porque tal não se aplicaria, por exemplo, aos deputados. A resposta, sob a forma de pergunta, veio rápida e fulminante: “Mas queres decapitar o sistema político”? Ainda fui dizendo que se os presidentes de câmara eram renováveis sem decapitar o poder local, os deputados talvez também o fossem e o sistema se não sentisse decapitado …mas eles acharam que as suas cabeças eram imprescindíveis.
Ar fresco, portanto, no poder local e isso tudo …
Mas com esta descoberta providencial, com a correcção deste erro salvador, com esta miraculosa intervenção do nosso sempre atento PR, está aberto o caminho para a reparação da virtude da experiência e da maturidade.
Os “Menezes” e os “searas” podem respirar de alívio. Se não houver outros erros de impressão, se entretanto ninguém lhe for cantar a Grândola, a Belém ou em qualquer mesa de voto, as providências cautelares e os recursos para os tribunais estão resolvidas.
A bem da Nação e da Democracia. Ou, talvez não. Talvez haja mesmo quem queira cantar …
(Cito de cor: Quando Alice e o Gato, empoleirado no ramo da árvore, discutiam o sentido das palavras, o Gato acabou, finalmente, como o debate: quem decide o sentido é o mestre!)
Nélson Carvalho
Consultor