Qua, 19 Fevereiro 2025

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Ainda vivemos numa democracia representativa?

NÉLSON CARVALHO, Consultor

Para ser claro: eu não sei!

O que me parece é que as instituições da democracia representativa negligenciam o fenómeno da sua falta de prestígio, da desconfiança generalizada dos cidadãos, do questionamento da sua legitimidade, do facto de os cidadãos não aderirem e se afastarem das escolhas e políticas públicas.

Particularmente os partidos, parece não terem a sensibilidade para entender a profundidade da erosão em curso dos próprios fundamentos da democracia.

Há dois aspectos essenciais a ter em conta. O primeiro é a representação formal. Na medida em que há eleições e os nossos representantes são eleitos, a democracia formal funciona sem atropelos e problemas. Das instituições do poder local à presidência da república todas as instituições e governantes têm a sua legitimidade democrática própria e incontestável – também incontestada.

Mas há também a representação material, em que cada um (e todos os eleitos) subscreveu um projecto, um programa, um conjunto de propostas e acções concretas – um manifesto eleitoral, um programa de governo, um conjunto de promessas … o que se queira chamar-lhe. Todos assinaram, puseram o seu nome, a sua foto, por baixo dos papéis editados nas campanhas. Todos assumiram compromissos materiais concretos, ditos e escritos e assinados.

No debate posterior sobre a legitimidade democrática ouço quase sempre referir apenas a legitimidade formal: fui eleito, fomos eleitos, foram eleitos. Logo, sou, somos, são representantes legítimos.

Como se a representação material não importasse, não contasse, fizesse parte da espuma das eleições e pudesse, passada a luta eleitoral, desvanecer-se e esquecer-se. Tornar-se insignificante.

Como se, numa eleição, só o eleitor se comprometesse pelo vínculo de quatro anos ao voto realizado e por isso o seu voto o fidelizasse enquanto que o eleito ficaria livre e sem compromissos na sua acção política e governativa e pudesse agir fora de qualquer vínculo ao eleitor.

Ora é isto que é inaceitável e está hoje posto em causa. A democracia exige uma legitimidade formal aos representantes. Mas não os dispensa a legitimidade material.

Fica colocada uma questão: os eleitos representantes são, uma vez formalmente legitimados pelo voto, inamovíveis? Façam o que e como fizerem, respeitem ou não os seus compromissos com os cidadãos eleitores? Têm os cidadãos eleitores mecanismos para suscitar a quebra de legitimidade material e promover a destituição dos seus representantes por incumprimento?

Talvez este seja, hoje, o desafio central de aprofundamento, de rigor, de exigência, de qualidade da democracia representativa. Criar mecanismos que possibilitem aos cidadãos eleitores invocar e discutir a quebra de legitimidade material de qualquer um dos seus representantes e dar início a um procedimento de “despedimento”, de destituição. 

Isto sim. Rever a Constituição. Aprofundar a democracia. Em condições e com requisitos bem precisos e bem definidos, processos de destituição. Não por ferir a legalidade, isso permanece como deve no âmbito dos tribunais. Mas por quebra de contrato político. O representante é chamado e obrigado a vir explicar-se sobe os fundamentos concretos invocados para o processo de destituição. Depois: uma decisão directa dos cidadãos eleitores. Uma votação. Local, regional, nacional.

Os representantes teriam maia cuidado e rigor com aquilo a que se comprometiam. Estariam noutro patamar de responsabilidade e de prestação de contas. E a soberania popular num grau diferente de afirmação e maturidade. Isso a democracia: o poder do povo. Quer dizer: o poder dos cidadãos eleitores, em condições constitucionalmente definidas.                                                                                                                                                                                                                                                     

Um segundo mecanismo: o cidadão faz apenas um voto. Pode escolher, de entre as várias listas dos diversos partidos e movimentos, aquela em que vota. Tirando o Presidente da República, uninominal por definição, ao cidadão eleitor não é dado o poder de votar em pessoas, de as escolher, de as eleger. Apenas pode escolher o partido. De resto é o partido que escolhe as pessoas e a sua ordem na lista. Aos cidadãos é dado escolher quantos, de acordo com a metodologia escolhida, elege de cada lista. Mas está-lhe vedada a possibilidade de escolher as pessoas, processo entregue aos partidos.

Defendo o duplo voto. Ao cidadão deve ser reconhecido o poder de escolher a lista do partido que quer. Mas deve ser conferido o poder de escolher, na sua lista, a pessoa que prefere. E fazer um voto nominal. Assim, em cada lista, o nome dos eleitos pode ser diferente dos preferidos dos partidos e ser estabelecido pela preferência dos eleitores.

Assim, quando voto, responsabilizo materialmente um eleito em concreto pelo que ele defende, assume, protagoniza.

Há outros caminhos? Há. A democracia cair na rua, por exemplo …

 

Nélson Carvalho

Consultor

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