Quem utiliza o comboio para ir trabalhar em Lisboa conhece bem a estação do Oriente. É um sítio movimentado onde as pessoas se cruzam de um lado para o outro, com os seus compromissos marcados, olhando para o relógio, com o passo mais ou menos apressado, conforme o tempo que dispõem, mudando de linha, descendo para o Metropolitano ou dirigindo-se para a paragem dos autocarros. É um sítio de passagem, de rotinas, mas também de sorrisos e ansiedades, de encontros e despedidas.
Todavia, no Oriente vivem fantasmas que deambulam durante o dia e se aproximam de quem espera. Damos por eles quando nos interpelam, aproximando-se silenciosos e num suspiro de conversa tantas vezes repetida, pedem uma moeda. Por vezes assustam porque, enquanto esperamos, lemos, ouvimos música ou estamos perdidos em pensamentos.
Na maior parte das vezes, são afastados com a palma virada para a frente e com um aceno de cabeça negativo, um ritual automático que os afasta e os faz procurar outro rosto que espera. Alguns fantasmas pedem moedas para o bilhete de uma viagem adiada tantas vezes. Talvez procurem uma viagem para quem está preso no limbo, no purgatório de uma estação que não os leva a lado nenhum.
Quando a noite chega, transformam-se em casulos feitos de cartão, mantas ou sacos cama escuros, como embrulhos espalhados pelos azulejos brancos de uma estação que lhes dá um teto como abrigo. São ignorados por quem passa, por quem espera, pelos seguranças ou autoridades. Vivem numa realidade paralela, o seu destino, a sua história e a sua esperança, parecem ter acabado antes da própria vida.
Quando damos com a sua presença, ficamos incomodados, porque estes fantasmas não estão num oriente longínquo, mas sim, num Oriente bem próximo de nós. Como chegaram ao momento atual das suas vidas? O que poderá fazer renascer a sua esperança ou expetativas para o futuro? O que se poderá fazer para alterar/melhorar a sua situação?
Penso que devemos refletir com humildade na nossa vulnerabilidade e dar valor ao que temos. Mesmo que pouco, mesmo que os nossos sonhos pareçam impossíveis, que os nossos objetivos se deparem com obstáculos quase intransponíveis. Não podemos deixar passar as oportunidades, os “transportes” que nos levam da estação (ou estagnação) para o nosso destino, para as coisas que temos de fazer, de construir, de alcançar e, acima de tudo, ter sempre novos sonhos e novos objetivos.