Assistimos todos os ao empobrecimento de Portugal. Num cenário de crescimento do desemprego, em que o direito ao trabalho é cada vez mais ameaçado, a precaridade tomou conta das nossas vidas. Os jovens, seguindo a recomendação dos nossos governantes, emigram, reatualizando a diáspora lusa. Os que decidem ficar procuram fugir à indigência ou à dependência dos parcos rendimentos dos seus pais. Desenrascam-se. Fazem-se à vida. Aceitam ganchos e biscates; fazem-se fura-vidas, jovens “empreendedores” da sua própria sobrevivência. Muitos deles, para exercerem um pequeno negócio, geralmente precário, coletam-se nos serviços de finanças. Querem ser bons cidadãos, ter as contas em dia com o Estado. Pagam elevadas taxas fiscais e sustentam a sua própria precaridade. Com o que sobra sobrevivem, pagam as contas.
A classe média está em vias de extinção. Passamos a ter cada vez mais pobres. Os que dantes contribuíam para o consumo interno hoje são remediados ou passaram a integrar as taxas de pobreza por não serem capazes de suportar os encargos familiares com a habitação e educação dos filhos, entre outros.
Perante o empobrecimento das famílias e dos particulares e um aumento brutal da carga fiscal sobre o trabalho e o consumo, esperaríamos um Estado que garantisse saúde, educação e dignidade na velhice depois de uma vida de trabalho. Não é isso, no entanto, o que temos tido.
Os serviços de saúde são privatizados e os que o não são passam a não ser acessíveis a todos os portugueses, com equidade. Na educação defende-se o direito de escolha omitindo que este existe em proporção direta ao estatuto socioeconómico das famílias. Só escolhe quem pode e quem sabe. Uma velhice digna e justa após uma vida de descontos passa a estar sujeita à pilhagem do Estado aos fundos de pensões para pagar a dívida.
Os jovens que ainda não têm idade para partir deixam de investir na sua formação. Aos adultos ativos ou no desemprego foi suspenso o direito à educação e formação. Aos funcionários do Estado – os que garantem os serviços de educação, de saúde, de limpeza urbana, de segurança de todos nós – foi-lhes cravado o rótulo de “culpados do défice”, qual estrela judaica.
Dizem-nos que é assim, que tem de ser assim porque somos um “protetorado”, termo que deriva do verbo proteger. Supostamente Portugal está a ser protegido contra terceiros por outros Estados. Mantemos uma soberania formal, ou seja, vivemos no seio de uma “hipocrisia organizada” ao mais alto nível – o da diplomacia internacional. Só não conseguimos vislumbrar o que está a ser protegido. Perante um governo que se recusa a negociar a dívida externa com os seus credores, que declara que, como portugueses honrados, devemos pagar a dívida quanto antes custe o que custar, o que está a ser protegido é o direito ao lucro dos credores, os tais que nos “engrupiram” com Swaps e ativos tóxicos com a ajuda dos que hoje vestem a pele de governantes “honrados”. O que é protegido são os juros da banca alemã que engorda os seus ativos à custa de uma austeridade imposta por quem lucra com isso. O que é protegido são os grandes grupos empresariais de capitais anónimos a quem é salvaguardado o direito de se instalar, para efeitos fiscais, em países fortes da moeda única, como a Holanda.
Enfim, somos um protetorado do grande capital e assistimos a uma regressão despudorada dos direitos básicos dos trabalhadores. Factos por si só capazes de reatualizar o “Capital” de Karl Marx como explicação histórica para o declínio do capitalismo por autofagia e estupidez humana. Ou isso ou mais tarde ou mais cedo temos de mudar de paradigma de desenvolvimento. Em Portugal, como nos PIG’s da Europa “solidária”, como em grande parte dos países do Sul do hemisfério, vivemos uma expansão da estúpida austeridade que protege os capitais anónimos de uma minoria que, vivendo à custa do trabalho dos outros e se autointitula “produtora de riqueza”.
Elvira Tristão,
Professora