Em vésperas das eleições legislativas de outubro, os comentários do cidadão comum sobre a política e sobre os partidos políticos são preocupantes e constituem pistas de reflexão para quem, com maior ou menor protagonismo, exerce atividade político-partidária ativa.
As principais críticas dirigem-se aos partidos políticos que, segundo muitas pessoas “são todos iguais” ou “deviam acabar”. Habituadas ao degradante espetáculo de conivências e promiscuidade entre os negócios e a política, as pessoas passaram a ver na política a porta de entrada para o enriquecimento pessoal e para a capitalização de influências para os interesses pessoais dos que têm vida política ativa.
Daí que estas eleições representem um desafio maior: resgatar a política desta imagem desencantada e combater a abstenção, por um lado, e, por outro, centrar o debate naquilo que realmente importa para o cidadão comum. Não são tarefas fáceis por três motivos. Porque os partidos políticos serão sempre organizações de poder, de gente com passado (como todos nós), e de lutas internas que resultam de filiações ideológicas diferentes e de interesses divergentes. Porque as vidas das pessoas comuns têm sido tão maltratadas nesta conjuntura de austeridade globalizada que não veem em que é que os partidos podem ajudá-las a ter uma vida menos fustigada pela incerteza, pela precariedade, pelo desemprego e pelas dificuldades económicas. Finalmente, a sociedade espetáculo e de consumo em que vivemos tem-nos vindo a habituar a encarar as campanhas eleitorais como a venda de um produto, mas para pior. No caso das campanhas eleitorais, o circo mediático tem reforçado o acessório em vez de promover o verdadeiro debate sobre o que está em causa.
Os lamentáveis episódios das imagens dos outdoors, as negociações sobre quem deve ter palco nos debates televisivos, a tentativa de colar a esfera política à esfera judicial são estratégias que não têm ajudado em nada a combater a abstenção e a persuadir os portugueses a participar civicamente na escolha dos seus representados na Assembleia da República.
No dia 4 de outubro vamos escolher um novo governo para Portugal com base na maioria parlamentar que resultará das escolhas dos portugueses. Apesar de as diferenças se esbaterem no plano moral e no plano do discurso, ainda faz sentido pensar que a escolha se faz entre a esquerda e a direita. De um lado, temos os partidos da esquerda radical (que baseiam as suas propostas no protesto e no crescente sentimento antieuropeísta), alguns movimentos que, não abdicando de pensar à esquerda têm um discurso mais moderado e se afastam do discurso do protesto, e o Partido Socialista, de uma esquerda moderada e democrática que, no passado, provou ser capaz de criar o sistema nacional de saúde para todos, de promover a qualidade da escola pública e de promover a sustentabilidade da segurança social como garante de uma sociedade mais justa, equitativa e solidária. À direita temos a coligação PAF, composta pelo PSD e pelo CDS-PP, partidos cujos discurso e políticas recentes se encontram abissalmente distantes da social-democracia e da democracia cristã.
Em suma, em outubro, os portugueses irão decidir se querem continuar com as atuais políticas que promoveram a desigualdade entre ricos e pobres, que trocaram a solidariedade social pelo assistencialismo, a escola pública pela privatização da educação e o serviço nacional de saúde para todos pela entrega dos investimentos pagos por todos nós aos grupos económicos e às misericórdias. Os desempregados que viram colapsar a economia e as empresas onde trabalhavam, os jovens que emigraram, saindo da sua “zona de conforto” por sugestão dos governantes, os pensionistas, acusados de serem a “peste grisalha”, que viram as suas pensões encolher. Esta mole de gente espoliada pelas recentes políticas neoliberais vai decidir se quer continuar como está ou se prefere as propostas do Partido Socialista.
Muitos velhos do Restelo usam a ladainha do despesismo para instalar o medo nos indecisos, pois serão estes que decidirão o próximo governo. As propostas que visam resgatar das garras dos mercados o sistema nacional de saúde, a escola pública e o sistema de solidariedade social estão sustentadas em estudos económicos feitos com rigor técnico por economistas independentes, com currículo e idoneidade inquestionável. Tratam-se, obviamente, de opções económicas que estão vinculadas a uma ideia de Estado que se afasta diametralmente da ideia de Estado proposta pela PAF. Da parte do PS, o cenário macroeconómico visa enquadrar com rigor técnico propostas políticas que garantam um Estado social que alavanque a economia para sustentar a solidariedade social, a igualdade de oportunidades na educação e na saúde. Em síntese, o que se propõe é melhor Estado para maior coesão social e crescimento económico. Pelo contrário, a direita propõe-nos menos Estado e mais mercado, onde cada um terá melhor ou pior educação, saúde e apoios sociais em função da sua condição socioeconómica e riquezas acumuladas.
Podemos diabolizar os partidos e quem dá a cara por eles, podemos andar distraídos com os cartazes, as datas e personagens dos debates televisivos ou até com as intrigas das primas-donas dos partidos políticos, mas não nos esqueçamos que em outubro vamos escolher que Portugal queremos. Podemos até engraçar com a ladainha de que o que é privado é que é bom e que os gestores públicos são incompetentes. Mas lembremo-nos de duas coisas. O atual governo foi buscar para governar a coisa pública gente do privado, muitos deles ligados à banca que fomos obrigados a resgatar. E os que não vieram para cargos públicos participaram em inúmeros estudos encomendados, de que não podemos esquecer as privatizações feitas às empresas “estatais” angolanas e chinesas. E quando a saúde e a educação constituírem monopólios privados e escolha não será feita pelos utilizadores, mas pelas administrações privadas que perseguem o lucro, aumentando os membros dos conselhos de administração e pagando o mínimo aos seus “colaboradores”. Quando formos escolhidos pelos prestadores de serviços sociais, teremos o privado para quem pode e o público para os serviços mínimos aos pobres e remediados (os da “chapa ganha, chapa gasta”).
Com o PSD de Passos Coelho a social-democracia morreu. Portas há muito enterrou a democracia cristã. Que o digam os críticos como Pacheco Pereira, Manuela Ferreira Leite, António Capucho ou Ribeiro e Castro. E todos os outros que se afastaram. E não me refiro aos que se afastaram por preferirem a carreira de facilitadores de negócios, pois esses andarão sempre por perto, na sombra dos holofotes.