A Europa encontra-se, atualmente, longe do projeto europeu sonhado. Em vez de políticas solidárias de investimento na inovação e no crescimento de uma economia sustentável ao serviço dos cidadãos, assistimos a uma “resposta à crise” com medidas de austeridade – leia-se de empobrecimento da classe trabalhadora – que passam pela divisão da Europa entre devedores e credores.
E, no entanto, nunca como antes tivemos cidadãos tão preparados para investir o seu capital humano – que é o nosso bem comum – em projetos inovadores para o desenvolvimento sustentável dos setores da agricultura, das pescas e da indústria, e para a qualificação dos serviços. Também nunca como antes a Europa esteve à distância de um clique ou a poucas horas de qualquer lugar onde nos encontremos. Nunca como antes se assistiu a uma europeização da educação como estratégia supranacional para a formação de uma cidadania europeia.
Agora como desde a sua criação, o que tem orientado a ação das instituições europeias tem sido a economia, em especial as questões financeiras e orçamentais dos Estados membros. Até aqui nada a obstar, desde que estas áreas estratégicas estivessem ao serviço de uma Europa mais solidária nas políticas de crescimento económico, de esbatimento de desigualdades entre os cidadãos europeus, do encontro de uma “casa comum” em matéria dos direitos humanos, domínio que tinha sido até há cerca de duas décadas atrás marca identitária europeia.
Esta era uma resposta social-democrata, ideologia que sustentava a ideia de um Estado que tem como funções garantir os direitos humanos, a igualdade de oportunidades, a segurança no trabalho, a saúde, a educação e a proteção nas situações de vulnerabilidade dos seus cidadãos. Esta era uma Europa de cidadãos na dupla condição de contribuintes e beneficiários, cabendo às instituições políticas promover políticas redistributivas justas. Esta foi a Europa que respondeu a uma crise que, grosso modo, se consubstanciou na reconstrução da Europa do Pós-guerra (e no perdão da sua dívida à Alemanha), no desenvolvimento da indústria, da educação, ciência e tecnologia, na criação de sistemas de segurança social.
Entretanto, o desafio da reconstrução da Europa do pós-guerra deu lugar ao desafio de competir economicamente com outras regiões do globo onde a matriz política tem sido profundamente marcada pelo desrespeito pelos direitos humanos e pela desigualdade de tratamento dos cidadãos em função da riqueza acumulada. Assim, para ser competitiva, num quadro de globalização económica, a Europa viu-se forçada a emular padrões políticos de desregulação económica e privatização das funções do Estado. A adoção de padrões capitalistas, assentes fundamentalmente em políticas monetárias, levou os estados europeus a assistirem ao crescimento de um capitalismo feroz, de casino, governado pelos agentes financeiros cujo rosto desconhecemos. Ou melhor, se desconhecemos os mandantes, vamos vendo os seus colaboradores a migrar para as instituições políticas e monetárias europeias e dos estados membros. Quem não conhece uma meia dúzia de nomes de ex-agentes (outros quiçá futuros agentes) da Goldman Sachs?
Com a permeabilidade entre o setor público e privado, no setor da banca, é legítimo que desconfiemos da imparcialidade dos que representam os Estados em instituições como o FMI ou o BCE, sobretudo quando assistimos no passado recente à bolha no setor imobiliário (e outras negociatas) e à criação de fundos de risco com margens de lucros escandalosas para os seus “investidores”, que viveram acima das possibilidades do crescimento real da economia. De repente (mas não sem aviso), a bolha rebentou – não sem que antes os “investidores competentes” se retirassem do jogo, metendo ao bolso lucros consideráveis – e os cidadãos foram confrontados com uma crise financeira construída por “patos bravos” da finança que os Estados autorizaram tacitamente. E que resposta à crise foi dada pelas instituições europeias – leia-se Conselho Europeu e Comissão Europeia?
Assistimos a uma retórica perigosa e xenófoba de que a Europa do Norte trabalha e amealha para sustentar uma Europa do Sul calaceira e caloteira, ou seja, contam-nos a história da cigarra e da formiga cuja moral é a de que devemos pagar com o empobrecimento as esmolas a que estendemos a mão quando aderimos à UE. Tem sido esta a narrativa europeia de resposta à crise que, por sinal, corresponde à justificação para as políticas de austeridade nacionais. Estas políticas austeritárias(e autoritárias) têm-se baseado fundamentalmente no aumento dos impostos, no desinvestimento em saúde, educação e proteção social, e na diminuição do valor do trabalho. Em contrapartida, o Estado português, anualmente, paga em juros mais do que na manutenção do sistema de saúde. Ao mesmo tempo que prescrevem os crimes de fraude fiscal de nomes conhecidos da banca, por sinal, cujos prejuízos foram nacionalizados enquanto ficavam a saldo “investidores” conhecidos da praça, verdadeiros “patos bravos” da finança nacional.
A tudo isto assiste a Alemanha de Merkel, sentada no seu superavit bancário, fruto dos juros que cobra ao Sul empobrecido à força, como resposta à crise, como nos repetem impunemente. Não é esta a Europa desejada por Schultz que compreende bem os riscos que correm os países do Norte ao não investir num mercado interno europeu, de uma Europa solidária como resposta à crise. Uma crise construída tendo por base a ideologia neoliberal alimentada pelos interesses dos tecnocratas da finança que, em coligação com governantes nacionais sem legitimidade política supranacional, nos fazem pagar com língua de palmo juros de uma dívida que, objetivamente, não contraímos.
É por isto que o ato eleitoral para o Parlamento Europeu é fundamental para começar à escala europeia a mudança de políticas. É preciso voltar à “casa comum” de uma social-democracia que resista firmemente aos mercados financeiros e às pressões de bastidores dos grandes grupos económicos. É preciso inverter o perigoso caminho que divide os europeus e alimenta grupos políticos extremistas. É preciso que a mudança não seja mera alternância, para que tudo fique na mesma. Porque não fica. Os avisos vêm de França, vêm da Ucrânia, da Hungria…É preciso mudar a Europa e mudar Portugal, a bem da paz entre os povos.