Qua, 30 Abril 2025

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Ditadura, democracia, elites e (de)ilusões

elvira tristao

ELVIRA TRISTÃO

Ultimamente, para reforçar a sua indignação perante o estado a que o país chegou, cada vez mais portugueses enaltecem as qualidades de Salazar como o estadista que zelou pelas finanças dos portugueses. Confesso que esse sentimento emergente me incomoda por constatar que cada vez mais portugueses se dispõem à vinda de uma ditadura.

Não vivemos numa democracia plena, é certo, mas, ainda assim, não nos limitam por meios coercivos a obtenção de informação que nos permita fazer juízos e escolhas. Diria que vivemos entre uma democracia de baixa densidade, no plano das ideias, e uma ditadura do capital. À medida que o valor do trabalho diminui, aumenta o fosso entre os ricos e os pobres, atualizando uma consciência de classe que, com o advento da liberdade e da igualdade, teria ficado adormecida.

Assistimos, hoje, ao desmantelamento do sistema nacional de saúde e à destruição de uma escola pública de qualidade, capaz de preparar livres-pensadores, cidadãos integrados e contribuintes para uma sociedade mais justa. O sistema de segurança social é, atualmente, visto como uma despesa em vez de um instrumento de justiça social e de combate a uma sociedade de cada vez mais excluídos.

Dizem-nos os arautos das verdades oficiais que não há alternativa. Que vivemos acima das nossas possibilidades, que não produzimos o suficiente para ter uma sociedade justa e equilibrada. Como aceitar que não há alternativa a um fosso cada vez maior entre ricos e pobres? Como achar natural que uns poucos não saibam o que fazer ao dinheiro e outros não tenham como ter as condições mínimas de habitação, alimentação, saúde e educação para os seus filhos? Como aceitar que muitos vejam reduzidos os cuidados de saúde enquanto se faz de Portugal o paraíso do turismo de saúde para os países ricos? Como aceitar que se acabe com uma escola de proximidade, ao serviço das comunidades, enquanto se anuncia uma falsa qualidade baseada em exames que reduzem a complexidade do ensino e das aprendizagens a um exame supostamente objetivo que acentua uma sociedade de indivíduos em competição por um bem escasso (um lugar privilegiado de acesso ao ensino superior ou ao mercado de trabalho)? Como aceitar sem indignação que continuemos a hipotecar gerações de portugueses para salvar os bancos daqueles que fugiram ao fisco, participaram em fraudes de milhões e fizeram desaparecer milhões para, só depois, anunciarem que estavam na bancarrota e precisavam da ajuda do Estado (leia-se dos portugueses que se esfalfam para levar uma vida séria e digna e pagar os seus impostos)?

Ao senhor da tabacaria que, entre o troco do jornal, me disse que o que fazia falta era um Salazar para pôr “isto” na ordem, respondi que, nesse tempo como agora, eram as mesmas famílias e os mesmos grupos económicos que enriqueciam à custa do trabalho e dos impostos da maioria. A diferença é que agora nós sabemos quem são e qual o valor do esbulho. Enquanto naquela altura não se sabia e quem procurava fazer saber era silenciado, pela censura e pela prisão por crimes de “opinião”. A diferença é que hoje podemos constatar, com uma imprensa ainda livre que nos demonstra com documentários como “Os donos de Portugal”, a persistência de um regime que vive da promiscuidade entre a política e os negócios. E estou convicta de que, tal como em outros casos, será essa promiscuidade que evitará que a verdade dos factos venha ao de cima e sejam punidos os culpados.

A perceção que muitos portugueses têm de Salazar como um estadista competente, um homem sério que não sucumbiu aos interesses e aos negócios foi construída ao longo de décadas de censura e da elaboração de uma verdade oficial. Na verdade, como se construíram impérios industriais sem que os níveis de pobreza diminuíssem e o bem-estar social aumentasse? Porque é que as universidades portuguesas viviam à sombra do poder político sem que se lhes reconhecesse um papel maior no desenvolvimento da ciência e da indústria? Quem lucrou com décadas de guerra colonial e quantos se viram privados da sua liberdade e do seu bem maior – a vida? Quantos atravessaram a salto a fronteira para poder trabalhar e viver em liberdade?

Portugal não é hoje tão pobre como nessa época, mas sê-lo-á se continuarmos a aceitar que não há alternativa. É isso que nos dizem desde 2011. De tal modo que muitos a têm como um dado adquirido. Não! Há alternativa. Mas seguramente não queremos voltar nem ao antes de 2011 e muito menos ao antes de 1974.

Estejamos atentos aos leopardos, mas também às raposas, aos chacais e às hienas. Como ilustra o romance de Giuseppe di Lampedusa, “O leopardo”,  ao que assistimos é às lutas pelo poder das elites que nos (des)governam. Ora manietados pelas grandes famílias que há mais de um século detêm o poder (as propriedades e o capital), ora iludidos por uma burguesia efémera e emergente que nos vende a ilusão da igualdade e da fraternidade, continuamos a assistir a jogadas de poder em que “tudo muda para que tudo fique na mesma”.

Agora mais do que antigamente, “vemos, ouvimos e lemos”, como poeticamente nos lembra a eterna Sophia de Mello Breyner, e por isso temos a obrigação de dizer que há alternativas para este país que não quer ir a votos para continuar a assistir à fanfarra do empobrecimento forçado para salvar a pele de banqueiros, agiotas e políticos dependentes dos negócios. O exercício da política só é nobre se for para nos fazer felizes, não iludidos. Desconfiemos de quem nos ilude, mas não nos deixemos cair em descrenças empedernidas nem em conformismos induzidos. 

Uma resposta

  1. O texto que acabo de ler transmite-me um pensamento actualista, motivado pela necessidade de analise crítica de ideias ultrapassadas no tempo e na razão, bem como um raciocínio político-histórico que merece a nossa atenção. Na verdade o espírito reinante na nossa sociedade (leia-se POVO) é de desânimo e de crença sebastianista, que cada vez mais se sente a resvalar para ideais retrógrados, amorfos e despidos de qualquer sentido de evolução em contexto de solução. Nesta parte concordo com a prosa que li. Menos bem e com o máximo respeito por opinião contrária, está a solução, quer seja institucional, quer seja política, quer seja social. O POVO está deseducado.

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  1. O texto que acabo de ler transmite-me um pensamento actualista, motivado pela necessidade de analise crítica de ideias ultrapassadas no tempo e na razão, bem como um raciocínio político-histórico que merece a nossa atenção. Na verdade o espírito reinante na nossa sociedade (leia-se POVO) é de desânimo e de crença sebastianista, que cada vez mais se sente a resvalar para ideais retrógrados, amorfos e despidos de qualquer sentido de evolução em contexto de solução. Nesta parte concordo com a prosa que li. Menos bem e com o máximo respeito por opinião contrária, está a solução, quer seja institucional, quer seja política, quer seja social. O POVO está deseducado.

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