O Ministro da Educação e Ciência afirma que a avaliação externa das aprendizagens é necessária. E eu concordo. Mas pergunto: para quê? Quanto a mim, os exames nacionais servem para avaliar, sobretudo, o sistema educativo; para aferir a eficácia do que se ensina em cada turma, escola ou região do país; e para apreciar essa variável em correlação com outras como o contexto socioeconómico dos alunos, os meios disponibilizados pela escola e o trabalho dos profissionais e das organizações; deveria servir também para melhorar as políticas educativas. Admito que para a conclusão da escolaridade obrigatória e do ensino secundário deve ter uma componente de certificação da avaliação dos alunos. Neste último caso, a utilidade dos exames reveste-se ainda de maior importância, tendo em conta tratar-se de uma medida que imputa algum grau de equidade ao sistema de acesso ao ensino superior.
Este ano foram introduzidos os exames no final do 1º ciclo – a meio do percurso do ensino básico! Para quê, se as provas de aferição já se faziam desde 2001 às disciplinas de Português e Matemática no final do 1º ciclo e no final do 2º ciclo? E bem. Os professores e as escolas tinham já interiorizado práticas de análise dos resultados e introdução de estratégias de melhoria nos processos de ensino-aprendizagem nas áreas curriculares com os resultados mais fracos. A diferença é que agora os alunos e os professores levam as provas mais a sério porque contam para a nota, dizem alguns. Outros dizem que a diferença é que agora os professores aplicam os exames com rigor porque são realizados nas escolas de 2º e 3º ciclo, por outros professores. Eu diria que se trata de uma encenação do rigor. Uma espécie de atavismo histórico que recupera do passado a ideia de que só há rigor e mérito se houver algum sacrifício. E claro que as crianças sorriram no final das provas e não manifestaram sinais de grande desconforto. E é claro que não foram maltratadas nem violentadas por realizar um exame. Afinal são crianças e confiam nos adultos que zelam pela sua educação. Os adultos que expressaram as suas discordâncias quanto às decisões da tutela sobre os exames é que já não confiam nos que as tomam à revelia de todas as evidências da investigação produzida em ciências da educação – a investigação que, por vezes, é contraditória e não é imune às políticas e às ideologias; a investigação em ciências de educação que os mais recentes titulares da pasta da educação teimam em dizer que não tem ajudado a melhorar os resultados, como foram as tristes declarações de Maria de Lurdes Rodrigues numa conferência organizada na semana passada pelo jornal Expresso. Contudo, os decisores políticos servem-se dessa mesma investigação, sempre que lhes dá jeito, de forma truncada, enviesada, deturpada.
Nos últimos 10 anos, Portugal viu reconhecidos os investimentos em educação. Nos projetos de avaliação comparada, realizados por organizações internacionais como a OCDE, com o PISA, ou a EIA (International Association for the Evaluation of Educational Achievement, em com a colaboração do Boston College), com o TIMMS e o PIRLS (O PIRLS avalia as competências de leitura dos alunos no final do 4º ano, realiza-se de 5 em 5 anos e teve início em 2001, tendo participado 49 países na edição de 2011; o TIMMS avalia as competências matemáticas dos alunos no oitavo ano de escolaridade). Nas suas mais recentes participações os alunos portugueses viram substancialmente superados os anteriores desempenhos, ficando acima da média dos países participantes e, em alguns casos, à frente de países como a Alemanha ou a França.
Estudos realizados têm provado que o grau de exigência das provas nacionais tem aumentado sucessivamente. Nas provas internacionais, são inúmeros os especialistas envolvidos na sua realização, socorrendo-se das mais recentes investigações em avaliação educacional, desenvolvimento curricular, didática das disciplinas envolvidas, psicologia, pedagogia, etc. O interesse de todos os países por este tipo de avaliação comparada tem aumentado. Contudo, por cá, o ministro da tutela desvaloriza os resultados obtidos, afirmando não estar satisfeito. Faz bem. Devemos sempre aspirar fazer melhor.
Nos últimos dois anos, Crato aumentou o número de alunos por turma; aumentou o número de turmas por professor; reduziu o tempo de trabalho dos professores na componente de preparação das aulas, avaliação dos alunos e formação profissional; reduziu os curricula à perspetiva minimalista de “ler, escrever e calcular”; alterou as metas do ensino básico à luz de teorias ultrapassadas e à revelia de reputados especialistas em educação independentes; mexeu no programa de Matemática que tinha sido implementado e que começava a dar resultados; diz que os professores vão ter de trabalhar mais horas e muitos ser dispensados por causa do Tribunal Constitucional. E, por fim, quer convencer-nos a todos que a qualidade da educação vai melhorar com a realização de exames nacionais no final do primeiro ciclo a contar para as notas. E eu, digo-vos, neste triste quadro em que os governantes negam condições de trabalho a alunos e professores, neste cenário de depauperamento a todos os níveis, imagino já muitos professores empenhados em treinar os seus alunos para os exames, negligenciando áreas importantíssimas na formação dos indivíduos e da sociedade de um modo geral. E assim, como diz o ditado: “Albarda-se o burro à vontade do dono.”. Pois…Mas quem é o burro e quem é o dono?
Elvira Tristão
Professora