Quando saímos do lugar, que fazemos nosso, com a missão de o suspender, por meses ou anos, vemo-lo bem lá de cima, da janela do avião, a desaparecer; a reduzir-se a minúsculos pontos negros. A sua dimensão e perceção mudam.
Quando passamos a observar, várias vezes, o que fica para trás, lá em baixo, do tamanho de formiguinhas, acabamos por não saber para onde queremos ir: talvez, para o lugar a que não pertencemos e queremos estar; ou, talvez, para o lado onde não estamos e pertencemos. Não sei.
Quando estou em Luanda o meu coração bombeia pelas pessoas que não estão (pela falta de as ter por perto), pela casa que fechei, pelas mudanças que não vi; pela vida que já não é.
Estou a pouco tempo de mais uma partida para Portugal e recebi, nos últimos dias, uma felicidade beliscada por uma certa nostalgia. Uma nostalgia que me impede de dar pulos de alegria, uma meia-tristeza-meia-alegria. Já não sei se estou melhor no lugar que me viu nascer e crescer, se no lugar que me viu recomeçar, rir, chorar e continuar.
No entanto, quando me perguntam, em Angola, de onde sou, respondo com um orgulho incansável e possante: de Santarém!
Conhecemos, aqui, pessoas de todo o Portugal; é curioso confirmar que do outro lado recebo, quase sempre, as mesmas representações de Santarém. “Sei, sim. O Ribatejo, a terra dos toiros e dos cavalos. Santarém, sei: a Feira da Agricultura. Conheço, sim. O meu primo andou na Escola Agrícola.”
O registo de uma imigrante Escalabitana em Angola engrandeceu-me o sentido de pertença. Quando olho para a minha terra através da distância de um mar que leva e traz, o longe, e o novo, vislumbro uma terra distintiva em imagens que interpretam a personalidade e o carácter de um encantador Ribatejo.
Santarém é o mandatário do centro, a região que se afirma extremamente bem localizada, rica em experiências e histórias, que confirma importância na agricultura portuguesa; e pede mais inovação e mútuas convergências.
Deste lado vos confirmo que Santarém é a imagem da borda do Tejo, das planícies férteis, extensas e verdejantes, dos campinos trajados, do Tejo convincente que invade as terras, dos gaibéus e dos avieiros, dos marialvas, do folclore, dos cavalos e touros mansos – e bravos – para as lides da tauromaquia, das amplas vinhas do bom vinho, das abundantes culturas, do tomate, do milho, dos girassóis, do melão, do carolino, do azeite inspirador para qualquer prato, da sopa da pedra, do cabrito, das migas fervidas, dos pampilhos, da massa à barrão, dos peixes do rio..
Um Ribatejo apaixonante elevado por Almeida Garrett e esboçado em memórias nas palavras de José Saramago.
A Lezíria e os seus campos do Ribatejo prevalecem no tempo; as terras que se unem ao Tejo são contadas, poetizadas, dançadas e trajadas nas vigorosas tradições da vida dos Ribatejanos, do campo, dos cavalos e dos toiros.
Os monumentos majestosos, as igrejas maravilhosas, os mosteiros e castelos enumeram a existência de Portugal.
A cidade de Santarém ergue a alma ribatejana numa mensagem do passado que se estende num futuro que se quer prospero e rico em parcerias que reinterpretem o que era ajustando-o ao que é.
As cores do “Ribatejo” convergem. Santarém e os arredores aparecem como o guia de um conjunto de complementaridades; histórias, profundas, enraizadas, que se certificam em grandeza, juntas.
No rodopio incessante, e impreciso, das chegadas e partidas, entre Angola e Santarém, eu digo-me, acima de tudo: uma orgulhosamente “Ribatejana”.
Sou das terras da borda do Tejo que guarda o campino, com o colete encarnado e barrete verde no sossego e acordo da natureza.
É Ribatejana que se sente: uma escalabitana ausente.
Luanda, 16 junho 2017
Cláudia Rodrigues Coutinho