"Fugi do meu marido para não morrer de pancada e agora corro o risco de morrer à fome".
O desabafo, doloroso, é de Anabela (nome fictício), que em Janeiro deste ano abandonou o lar e pôs um ponto final em quase oito anos de agressões físicas, verbais e psicológicas.
"Decidi sair de casa quando os miúdos começaram a presenciar as agressões. Eles verbalizavam isso na escola e as professoras apercebiam-se", conta.
Hoje, com os dois filhos menores a seu cargo, explica que mal consegue sobreviver com os apoios que o Estado concede às vítimas de violência doméstica, num caso que servirá de exemplo para muitos outros.
"A revolta que sinto é muito grande. Às vezes, até penso que o melhor era ter ficado em casa", afirmou à Rede Regional a mulher, de 47 anos, pós-graduada no desemprego, e ex-vítima silenciosa de um militar de carreira do Exército Português.
Depois de ter apresentado queixa do marido às autoridades e denunciado o caso à APAV, foi morar com os filhos para uma casa arrendada nos arredores de Santarém com 229 euros do Rendimento Social de Inserção (RSI), um abono de família de 83 euros dos menores e as refeições dadas por uma instituição de solidariedade.
"Será que alguém acha isto suficiente para criar duas crianças, com o mínimo de condições?", questiona Anabela, acrescentando que o dinheiro "não chega sequer para a renda, quanto mais para comida e outras despesas", como a farmácia ou a escola.
"Se algum deles adoece, é um sarilho. Eu tenho que ver quanto posso gastar em medicamentos e os que me sobram de outras vezes, porque não há para gastar nos remédios", exemplifica, sem pudor de confessar que também já se viu obrigada a ir buscar roupa à Santa Casa da Misericórdia.
Estado troca RSI por pensão de alimentos
O caso de Anabela piorou na justiça.
Entretanto, o Tribunal de Santarém fixou a pensão de alimentos que o ex-marido terá que garantir aos filhos: 130 por cada um, que têm 4 e 5 anos.
O problema surge porque, a partir do momento que começar a receber estes 260 euros, perde o direito ao RSI.
"Nunca me calarei nem me conformarei com esta injustiça. Eu perco o único apoio que tenho por um direito que os meus filhos têm, por algo que o pai que lhes dar e que não é, para todos os efeitos, um rendimento que eu tenha", explica a mulher, que se queixa ainda da justiça ser cega e insensível ao fixar um valor tão baixo.
"Eu não quero uma pensão de alimentos milionária, quero apenas algo que nos permita viver com um mínimo de dignidade, ainda por cima sem o RSI", afirma.
Grande parte da revolta vem-lhe do facto de sentir na pela que a coragem que teve ao denunciar o caso e sair de perto do agressor não está a ser minimamente cuidada pelo Estado, a quem competia proteger e zelar por quem se encontra nesta situação.
Mesmo com uma licenciatura e uma pós-graduação, na sua idade, as perspetivas de encontrar emprego e refazer a vida não são particularmente animadoras.
Até agora, tem contado com a ajuda de familiares e de amigos que conhecem o caso e a apoiam no supermercado, mas Anabela afirma que não quer depender de ajudas alheias.
A mulher tem o apoio de familiares num país estrangeiro, mas até para emigrar necessitará sempre do consentimento do ex-marido, tendo em conta a questão da regulação do poder paternal.