A arguida, que começou a ser julgada no Tribunal de Santarém esta sexta-feira, 10 de maio, optou por falar sobre os factos constantes no Despacho de Acusação ao coletivo de juízes, a quem descreveu, pela primeira vez, ter passado por 12 longos anos de violência doméstica a nível físico, verbal, psicológico e sexual, a que era sujeita pelo marido sensivelmente desde o nascimento do primeiro filho, em 2005.
Apesar de ter confessado a autoria do homicídio, a arguida, de 43 anos, tentou explicar ao Tribunal que, ao contrário do que sustenta o Ministério Público (MP), nunca agiu de forma planeada, fria e calculista, mas sim por um “impulso irracional” de quem estava farta de ser sujeita a humilhações das mais variadas naturezas.
Briga conjugal acabou em tragédia
Ao contrário do que vem descrito na Acusação, Margarida Rolo garantiu que nunca deu fármacos ao marido para o deixar sonolento, com o objetivo gizado de o atacar mortalmente quando este estivesse a dormir.
Na sua versão, a mulher estava a estender roupa antes de ir passear ao Parque de São Lourenço com os dois filhos menores (que estavam no carro, à porta da vivenda), quando José Duarte lhe deu uma joelhada e lhe disse “vais ao parque, vens de lá mais viçosa. Vai ser hoje…”
A chorar e a soluçar, num depoimento que acabou por durar mais de quatro horas, a mulher conta que foi empurrada para um sofá que existe no logradouro, onde agarrou no martelo para se defender dos impulsos violentos do marido.
Não conseguiu precisar ao Tribunal quantas vezes o atingiu nem em que zonas do corpo, mas lembra-se que o marido não ficou combalido com as pancadas, e continuou a agredi-la.
A faca, com uma lâmina de 18 centímetros, que usou de seguida não estava na cozinha, mas sim numa mesa de apoio junto à churrasqueira, e terá sido o marido o primeiro a pegar nela, na sua versão.
A arguida diz ter “perdido a noção” e não se lembrar dos pormenores da briga, mas garantiu ter usado as armas do crime em legítima defesa.
Já consciente que o marido estava a morrer junto à piscina, a professora disse ter sido ela quem gritou por auxílio aos vizinhos, a quem acabou por mentir e inventar uma tentativa de assalto por não querer admitir que tinha estado numa briga com José Duarte, e que iria resultar na sua morte.
12 anos de violência doméstica
A briga que provocou a morte de José Duarte surgiu na sequência de 12 anos a ser submetida a episódios atrozes de violência doméstica, algo que nunca tinha revelado a ninguém.
A mulher contou ter sido violada em várias ocasiões pelo marido, que a forçava a ter relações anais contra a sua vontade.
A “vergonha” e o “medo”, segundo disse, foram as razões que a levaram a optar sempre por sofrer em silêncio, tendo o facto de nunca ter apresentado queixa-crime ou pedido o divórcio sido uma das questões mais debatidas durante a audiência.
O advogado de Margarida Rolo, António Velez, juntou ao processo vários relatórios médicos que, segundo disse, “colocam a nu a verdade”, e provam que “Margarida não ofendeu, a Margarida defendeu-se”, agindo como “uma Margarida animal, e não como a Margarida racional”.
Um deles, do Hospital da CUF, atesta que a mulher tem uma fístula no anus que a defesa diz ser consequência dos atos do marido, e o outro, do Hospital de Abrantes, certifica que foi tratada a uma crise de ansiedade, um dia depois de ter sido violada, segundo depôs.
Em nenhumas das ocasiões, a mulher teve coragem de contar que as lesões se deviam a ter sido forçada a atos sexuais contra a sua vontade.
A aparente normalidade e o estatuto social de serem um casal de professores com uma vida financeira desafogada escondia uma realidade caseira de agressões, empurrões, puxões de cabelos e ofensas verbais, na sua versão, sendo que a violência do marido também se estendia aos filhos.
Perante o coletivo de juízes, Margarida Rolo acabou por mostrar-se arrependida do crime, e que, apesar de não sentir a falta do marido, sente muito a falta dos dois filhos, que estão à guarda de uma avó.
Uma resposta
Muitos parabéns ao autor do texto, que foi sério e isento. Um abraço para a verdade, o que é uma honra para a justiça.