O padre José da Graça foi o último a usar da palavra na sessão de alegações finais, que se realizou esta quarta-feira, 22 de maio, onde voltou a garantir ao coletivo de juízes que desconhecia em absoluto o esquema fraudulento de criação de utentes “fantasma” que permitiu à instituição a que preside, o Centro Social Interparoquial de Abrantes (CSIA), sacar ao Estado cerca de 200 mil euros em comparticipações indevidas.
Segundo o cónego, a acusação nasce de uma “vingança pessoal” contra si por parte do outro arguido deste processo, Pedro Moreira, o antigo terapeuta do CSIA que denunciou a fraude aos Ministérios da Saúde e da Segurança Social, em 2012.
Segundo José da Graça, a “relação de confiança” entre os dois quebrou-se quando afastou Pedro Moreira da coordenação do “Projeto Homem” na sequência de uma denuncia a dar conta que o terapeuta tinha assediado sexualmente um utente deste programa de recuperação de alcoólicos e toxicodependentes.
Pedro Moreira, que tinha aspirações a assumir cargos de direção no CSIA, viu-se “esvaziado de funções”, segundo o cónego, e foi ele quem acabou pedir a sua demissão da instituição, numa altura em que “já tinha perdido totalmente a confiança” no terapeuta.
Padre tinha pleno conhecimento do esquema, para o Ministério Público
A Procuradora Geral da República pediu a condenação de ambos os arguidos por todos os crimes, do terapeuta porque confessou os factos que os incriminam, e do cónego porque tem deles pleno conhecimento, apesar de não o admitir.
Para o MP, resultou provado das sessões de julgamento que o padre José da Graça sabia que as listas nominais de utentes do “Projeto Homem” eram preenchidas com nomes de pessoas que nunca frequentaram as duas valências do programa (a Comunidade Terapêutica João Guilherme e os apartamentos de reinserção social em Abrantes, Ponte de Sôr e Castelo Branco), que o abandonaram em fase precoce, que estavam presas, ou que eram “alcoólicos” dados como “toxicodependentes” para receber uma comparticipação maior dos organismos do Estado.
Com este esquema, segundo o MP, o CSIA recebeu cerca de 200 mil euros em comparticipações às quais não tinha direito, verbas que entretanto devolveu.
Mesmo reconhecendo que o dinheiro foi empregue num “projeto meritório a nível social”, a Procuradora sublinhou que “os fins não justificam os meios utilizados”, e disse ter resultado provado que não só que era o padre quem assumiu toda a coordenação do projeto, como sabia como proceder para receber as verbas, tanto que o esquema durou ainda alguns meses depois da saída de Pedro Moreira do CSIA.
Ao contrário do que disse em julgamento, o padre José da Graça “nunca se limitou a assinar de cruz os documentos que lhes eram postos à frente”, na opinião do MP.
Ministério Público “emprenhou pelos ouvidos”
O advogado de defesa do cónego tentou arrasar por completo a acusação do MP, que “não investigou absolutamente nada e limitou-se a reproduzir sem o devido distanciamento crítico” a confissão de um dos arguidos e os relatórios da Inspeção Geral das Atividades em Saúde (IGAS) e da Segurança Social à atividade do CSIA.
Segundo Tiago Cardoso, não deixa de ser curioso que as conclusões de ambos os relatórios indiquem que os factos deviam ser transmitidos ao MP para investigação e apuramento de responsabilidades criminais, um trabalho que o “não fez”, preferindo acusar com base no que já vinha descrito nestes documentos.
“O que serve de base a todo este processo é algo que nunca foi devidamente investigado”, sublinhou Tiago Cardoso, que deu vários exemplos de incongruências e contradições existentes nas listagens falsificadas, e que seriam facilmente explicadas, caso tivesse sido procurado o contraditório durante o inquérito.
A advogado sublinhou ainda que nunca o padre ou o CSIA foram ouvidos para esclarecer os factos durante a produção do relatório de inspeção da Segurança Social, o que lesou gravemente o seu “direito à defesa”, e que não há elementos no processo que permitam tirar as conclusões a que este organismo chegou.
“Se tivessem sido ouvidos, talvez este caso nunca tivesse chegado a julgamento”, sublinhou Tiago Cardoso, para quem houve “um engodo que o MP acompanhou”.
Por detrás do processo está, segundo este advogado, “uma motivação negativa por parte do outro arguido, que só ele próprio saberá explicar”.
Tiago Cardoso explicou ainda que a conduta sexual imprópria de Pedro Moreira para com um utente, e que o coletivo de juízes “optou por tentar desvalorizar”, não foi “trazida por ser uma questão delicada da vida privada do arguido, mas sim para demonstrar que foi a partir daqui que há uma rutura e um afastamento entre ele e o padre José da Graça”.
Os arguidos “devem ser condenados na medida da sua culpa”
Segundo António Velez, o advogado que representa “pro bono” Pedro Moreira, o seu constituinte assumiu claramente a prática do crime e “deve ser condenado na exata medida da sua culpa, tal como o outro arguido”.
Mesmo reconhecendo que “nem tudo correu bem na fase de inquérito”, o advogado considerou que o terapeuta assumiu uma “postura digna” ao confessar os factos, que são “apenas um sintoma do abuso permanente que recai sobre as instituições do Estado”.
Mais do que o caso concreto que está aqui em julgamento, “fazer justiça é pugnar para que todas estas situações acabem de vez”, considerou António Velez, para quem “todos estamos fartos e cansados de ver diariamente nas notícias casos em que o Estado é vilipendiado, ou de corrupção onde os culpados ficam impunes. Isto tem que acabar”.
A leitura do acórdão ficou marcada para o próximo dia 12 de junho.