"O actual governo é mais sensível a manifestações de rua do que ao diálogo, por isso devemos adoptar uma postura diferente", defendeu Mário de Almeida, presidente da Câmara de Vila do Conde, na abertura do congresso extraordinário da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), que decorre no Cnema, em Santarém, durante todo o sábado, 29 de Setembro.
Lamentando que os últimos governos tenham "perdido totalmente o respeito pelo poder autárquico" e se recusem a ouvir os seus representantes, o autarca afirmou que a actual "cruzada do governo contra o poder local" exige "novas atitudes" e "outras formas de mostrar o descontentamento à administração central".
Tendo em conta o "estrangulamento financeiro" que as últimas medidas adoptadas pelo governo tem provocado nos cofres dos municípios, Mário de Almeida arrancou um forte aplauso de todos os autarcas presentes quando avançou com a ideia de "entregar simbolicamente as chaves" das Câmaras Municipais ao governo.
"Se não há verbas para assegurar as competências que nos foram transferidas, então não se cumpram e explique-se às populações que isso não é feito por culpa do governo", disse o autarca vilacondense, dando como exemplos o encerramento pontual de equipamentos municipais que não são rentáveis (pavilhões, piscinas), deixar de prestar serviços como os transportes escolares, ou mesmo desligar a iluminação pública, "que devia ser da competência do governo por estar em causa a segurança das populações, mas é cobrada aos municípios a preços cada vez mais caros".
"Mesmo com parcos recursos, resolvemos os problemas das populações que o governo não é capaz de resolver", acrescentou ainda Mário de Almeida, no discurso mais contundente da sessão da manhã, onde todos os autarcas que usaram da palavra apontaram armas ao único responsável por aquilo que consideram ser a asfixia do poder local democrático: os sucessivos governos.
"A Troika veio para Portugal não por causa das autarquias, mas por causa dos sucessivos erros do governos centrais", acrescentou Mário de Almeida.
Curiosamente, Fernando Ruas foi mais comedido nas palavras e recusou-se mesmo a subscrever o apelo ao endurecimento da luta proposto pelo autarca de Vila do Conde. A ANMP "tem que ser coerente com a linha de rumo que tem seguido até agora", disse apenas o presidente deste órgão, acrescentando que "a culpa do estado a que chegámos é de todos os últimos governos, e não deste em particular".
Pugnando pela regionalização, no seu discurso, Fernando Ruas enfatizou que a redução do número de autarquias preconizada no programa da Troika, processo no qual a ANMP foi "um parceiro imprescindível ausente", é um "embuste" e "deriva da ignorância" das instituições internacionais.
O presidente da Câmara Municipal de Torres Novas também interveio neste congresso com duros reparos à forma como a administração central tem tratado os autarcas. "Nós somos eleitos directamente pelo povo, não somos escolhidos pelos partidos", afirmou António Rodrigues, acrescentando que há deputados que vão para a Assembleia da República "de calções e saem lá de bengala, sem nunca prestarem contas a ninguém".
Mais do que ameaçar a autonomia do poder local, a actuação do governo está a atingir "a dignidade dos eleitos locais", sublinhou o autarca torrejano, que também defendeu uma contestação mais activa ao que a administração central tem tentado impor às autarquias.
"As autarquias não são sucursais do funcionamento do Estado", defendeu António José Ganhão, presidente da Câmara de Benavente, para quem "o memorando com a Troika não suspendeu a Constituição da República Portuguesa", nem pode servir "para justificar a violenta agressão em curso "para domesticar o poder local livre, nascido após o 25 de Abril".