O presidente da Câmara de Santarém, Ricardo Gonçalves, foi condenado pelo Tribunal de Contas ao pagamento de uma multa de 1.275,00 euros, pela prática de uma infração de natureza sancionatória, cometida para garantir que os alunos do concelho tivessem transportes escolares especiais (para locais que não são servidos por transportes públicos) entre setembro a dezembro de 2013.
A multa em causa prende-se com a violação da chamada Lei dos Compromissos, que obriga as autarquias a terem fundos disponíveis no momento em que autorizam contratos com terceiros.
O problema, neste caso, é que em Setembro de 2013, no início do ano lectivo, o Município de Santarém apresentava um saldo negativo de 1,7 milhões de euros e o autarca tinha duas opções: ou avançava com a contratação do serviço ou as crianças ficavam sem transporte escolar até final do ano, uma vez que o concurso público que estava previsto ao nível da Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo estava atrasado.
Ricardo Gonçalves decidiu não penalizar os alunos e a 14 de outubro assinou com a Rodoviária do Tejo um contrato de ajuste direto de pouco mais de 31 mil euros para assegurar o transporte de alunos até final de 2013, altura em que o problema com o concurso da CIMLT devia estar resolvido.
“Estávamos nos anos difíceis da troika, a câmara naquela altura não tinha fundos e tínhamos 160 ou 170 crianças que, de outra forma, iam ficar sem possibilidade de ir à escola durante 4 meses. Entendi invocar o interesse público e dei conta disso mesmo ao Tribunal Constitucional mas, para minha surpresa, recebi uma primeira multa de 2.500 euros”, explicou Ricardo Gonçalves à Rede Regional.
O autarca recorreu, reforçou que estava em causa o direito daquelas crianças à educação e à igualdade, que não podia ser colocado em causa por uma questão burocrática, mas os seus argumentos não convenceram o Juiz António Francisco Martins, que, em sentença datada de 16 de fevereiro deste ano e divulgada esta semana, salienta o facto de Ricardo Gonçalves “estar devidamente alertado para a inexistência de fundos disponíveis e inerente nulidade da adjudicação/contrato”.
Apesar de reduzir a multa de 2.500 para 1.275 euros, em nenhum momento a sentença proferida se mostra sensível à necessidade da autarquia resolver o problema de transporte das crianças e às causas do atraso, invocadas pela defesa do autarca, nem sequer ao facto de a decisão não ter aumentado os custos do município.
Na sua defesa, Ricardo Gonçalves assume que ponderou os princípios e valores de interesse público, mas decidiu valorizar o direito constitucional à educação e igualdade das crianças, em detrimento dos princípios de proteção das regras da contabilidade pública, reforçando que esta despesa em nada contribuiu para o aumento de prazo de pagamento e em nada prejudicou o seu pagamento na data contratada.
Se fosse hoje fazia a mesma coisa
Nas declarações à Rede Regional, Ricardo Gonçalves repetiu várias vezes que, se fosse hoje, voltava a fazer o mesmo. “Felizmente as contas de hoje nada têm a ver com esse período, mas não aceito que, por uma questão burocrática, 160 ou 170 crianças fiquem impedidas de ir à escola.
O autarca espera que o Tribunal reveja a sentença e diz que a decisão de não pagar vai ser levada até às últimas consequências, recorrendo até onde for necessário. “Não é uma questão de valor. É uma questão de princípio, até para que outros autarcas se sintam salvaguardados quando tiverem de tomar uma decisão destas”, afirma.
Ricardo Gonçalves termina lamentando que haja juízes e magistrados do Ministério Público que para cumprirem a burocracia do Estado pareçam estar dispostos a fazer tábua rasa de outros direitos constitucionais.